Existem regiões viticolas que apresentam a particularidade de usarem apenas uma casta tinta.
E por exemplo o caso da Borgonha em França, onde a casta Pinot Noir reina sozinha nos tintos, ou o caso da Bairrada em Portugal, com a casta Baga.
O Dão, desde que ha memoria sempre foi uma região de blend, ou seja de mistura de castas.
Até ha 30 anos atras, a região era mesmo uma região de "field blend" ou seja a "mistura" era feita directamente na vinha aquando da plantação, variando depois a composição nos vinhos de ano para ano consoante as caracteristicas climaticas do ano e seu impacto no desempenho de cada casta.
Ouvi muita vez dizer que antes da phylloxéra, no século XIX, o encepamento no Dão era essentialmente dominado por uma casta tinta, a Touriga Nacional.
Tal facto, a confirmar-se, entraria em contradição com o que foram os ultimos 100 anos na região. Ficou por isso a interrogação que me levou a pesquizar sobre esta questão.
Existem pela net fora, para quem se quizer dar ao trabalho de ler, varios estudos de cientificos portugueses sobre este tema.
Os primeitos dados escritos sobre o encepamento da região remontam a 1867 (Villa-Maior, et al.,
1867).
São em 1867 mencionadas os seguintes nomes para castas tintas :
Alvarelhão, Amaral, Baga, Bastardo, Boca de Mina, Coração de Galo, Meirinho, Negro Mouro, Penamacor, Pilongo, Tinta Amarela, Tinta Carvalha, Tinta Francisca, Tourigo.
Como vemos a Touriga Nacional, ja nessa altura era apenas uma entre varias...
No melhor dos casos, menciona-se uma repartição por concelho, em que a Touriga Nacional, a par da Alvarelhão e da Bastardo, são as tintas mencionadas em maior numero de concelhos.
Pessoalmente continuo portanto até prova do contrario a concluir que a região ja naquela altura era uma região de blend.
Outra conclusão a que chego ao ler esta lista é mais pessoal, ja que tem a ver com os vinhos que fiz em 2011 e 2012.
Vinhos de vinha velha com muitas castas, mas em que 4 castas constituem a base, são elas a Baga, a Negro Mouro, a Tinta Amarela e a Tinta Pinheira (tambem conhecida por Penamacor).
Pois vejo que nesta lista de 1867, ja la constavam estas 4 castas.
E interessante constatar este facto por diversos motivos.
Primeiro porque significa que de facto os meus vinhos testemunham do que era o Dão de outrora. Podendo mesmo se falar do Dão pré-phylloxerico.
Segundo porque nesta lista consta la uma das castas mais desprezadas hoje em dia e que pessoalmente tenho orgulho em contribuir para a sua preservação. A Negro Mouro.
Casta tipica nos encepamentos antigos da região, mas que hoje não é autorizada em plantações para vinho DOC. Alias até a menção do nome Negro Mouro é proibida nos contra-rotulos. Fui obrigado por isso a mencionar a sinonimia autorizada "Camarate".
Pena o legislador não ter mais respeito pelos factos historicos...